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segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Projeto de Lei 4.471/2012 – fim dos fraudulentos autos de resistência seguida de morte

O fim da “fraude de resistência”

Projeto em tramitação na Câmara quer mudar a expressão “auto de resistência” em boletins de ocorrência policial para combater impunidade em casos de morte em operações militares

ALESSANDRA MELLO – CORREIO BRAZILIENSE

Belo Horizonte — W.J., um adolescente negro de 15 anos, foi baleado atrás da orelha por um policial militar em Betim, região metropolitana de Belo Horizonte, em 5 de dezembro. A Polícia Militar (PM) diz que o tiro foi dado porque ele resistiu à prisão após uma perseguição de carro no Bairro Capelinha, periferia do município. Segundo a família do garoto, testemunhas que presenciaram a ação policial negam que W.J. tenha resistido à prisão e afirmam que ele foi alvejado já rendido. Três homens que estavam com o garoto fugiram. Nenhuma arma foi apreendida.

O caso reúne detalhes que costumam compor os chamados “autos de resistência”, expressão comum nos boletins de ocorrência para explicar mortes e lesões ocorridas durante a ação policial com o qual um projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados pretende acabar. Mais do que uma simples troca de palavras nos registros, a proposta pretende combater a impunidade de ações criminosas de policiais, determinando uma série de atitudes a serem tomadas pelas autoridades para garantir que esses casos sejam investigados e punidos, pondo fim à “fraude da resistência”. Neste ano, 1.890 pessoas morreram durante ações das polícias civil e militar em situações classificadas como de “confronto”.

Leir Viana da Silva, 47 anos, mãe do adolescente baleado, não sabe se foi aberta investigação para apurar as circunstâncias que envolveram o disparo nem qual foi o destino do PM que atirou em seu filho. O comandante da companhia responsável pelo policiamento no Bairro Capelinha, major Marcelo de Melo, disse que o policial foi levado a um juiz e liberado em seguida. Ele garante que os militares que atuaram na perseguição são exemplares e os envolvidos na ocorrência são bandidos. O major admite que W.J. não tem passagem pela polícia, mas comenta: “Quem anda com porco farelo come”.
As perspectivas do adolescente, que completará 16 anos no dia 5, são sombrias. Se escapar de engrossar as estatísticas de mortes ocorridas durante ações policiais no Brasil — que lidera o ranking internacional, segundo estudo divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública — o rapaz, internado em estado grave, tende a ficar com sequelas. Leir não tem muita esperança de esclarecer o que aconteceu. “Se é difícil apurar crime comum, imagine quando o envolvido é policial”, lamenta a dona de casa que já perdeu um filho, assassinado em uma festa.

Normas
Mortes provocadas por policiais no exercício da profissão são tratadas de maneira diferente sob alegação de que foram decorrentes de legítima defesa, com o objetivo de “vencer a resistência” de suspeitos ou proteger civis. O Projeto de Lei 4.471/2012, pronto para ser votado na Câmara dos Deputados, altera o Código de Processo Penal e estabelece normas para a investigação das mortes e lesões corporais cometidas por policiais. O texto acaba com as classificações genéricas das mortes e lesões ocorridas e impõe regras claras sobre como deve ser a apuração dos fatos, inclusive com recomendações sobre coleta de depoimento de testemunhas, preservação da cena do possível crime e regras para a realização dos exames de corpo delito.

Recomendação
Resolução editada em 21 de dezembro de 2012 pela Secretaria Nacional de Direitos Humanos já recomenda que policiais deixem de usar em seus registros, boletins de ocorrência, inquéritos e notícias de crimes designações genéricas para as mortes e lesões ocorridas durante ação. A resolução também recomenda, entre outras providências, a abertura de inquéritos para investigação de homicídio ou de lesão corporal, mas nem todos os estados aderiram.

Para saber mais

Legítima defesa
Terminologia usada em boletins de ocorrência para classificar lesões corporais ou mortes provocadas por policiais no exercício da profissão. O termo caracteriza a ausência de ilicitude nas lesões ou homicídios que teriam sido cometidos em legítima defesa, com objetivo de “vencer a resistência” de suspeitos ou garantir a vida de civis.

O que estabelece o Projeto de Lei 4.471/2012

— Os termos “autos de resistência” e “resistência seguida de morte” deverão ser trocados por “lesão corporal decorrente de intervenção policial” e “morte decorrente de intervenção policial”.

— Esses casos serão investigados por meio da instauração de inquérito policial específico.

— A instauração do inquérito deve ser imediatamente comunicada ao Ministério Público, à Defensoria Pública e ao órgão correcional para controle da atividade policial.

— Quando a ação policial resultar em feridos, os agentes deverão chamar uma equipe de resgate do Samu, em vez de tomar a iniciativa de remover as vítimas.