Pages

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

CARTA DE UM POLICIAL À UM BANDIDO



Confesso que há muito tempo não lia um apelo ou desabafo ou um grito de desânimo tão intenso quanto o que acabo de receber via e-mail cujo autor se identifica como Wilson Ronaldo Monteiro, delegado da Polícia Civil do Pará. É impressionante a sua narrativa sobre a supremacia conquistada hoje pelos delinquentes sobre o cidadão (ou cidadã) que exerce a atividade policial. Compreendo perfeitamente a aflição de Monteiro, embora me coloque como um crítico feroz dos excessos cometidos seja pela PM seja pela Polícia Civil. Bandido tem que ser tratado como bandido – disso nunca prescindir. O que condeno – aliás, toda a sociedade condena – é a forma arbitrária com que o aparelho policial age na maioria das vezes. Há um dado irrefutável, basta ler nos jornais diários: de dez notícias das páginas de segurança, nove envolvem direta ou indiretamente policiais – civis ou militares. Isso não é apenas na Bahia, não. Refiro-me ao país inteiro. E de quem é a culpa? Do bandido? Claro que não. A responsabilidade é do Estado como um todo que é negligente com uma área tão sensível como a da preservação da vida humana quando em confronto com a marginalidade. Além do mais, a carreira de policial, como a de qualquer outro profissional só deveria ser abraçada por quem tivesse o mínimo de identificação pessoal. Já pensou em ser médico contanto que não possa operar ou mesmo aplicar uma injeção ou ainda ter pavor a ver sangue? Já imaginou ser um legista mas não puder ver um cadáver? Ou mesmo querer ser advogado, mas na condição de não estudar as leis? É complicado, não? De qualquer maneira, acho que o delegado Monteiro tem razão em algumas das suas colocações. Daí fazer questão de colocar na íntegra seu e-mail. Vale apenas conhecermos o sentimento de quem está do outro lado da rua. Monteiro começa assim:



“Senhor Bandido,


Esse termo de senhor que estou usando é para evitar que macule sua imagem ao lhe chamar de bandido, marginal, delinquente ou outro atributo que possa ferir sua dignidade, conforme orientações de entidades de defesa dos Direitos Humanos.
Durante vinte e quatro anos anos de atividade policial, tenho acompanhado suas “conquistas” quanto a preservação de seus direitos, pois os cidadãos e especialmente nós policiais estamos atrelados às suas vitórias, ou seja, quanto mais direito você adquire, maior é nossa obrigação de lhe dar segurança e de lhe encaminhar para um julgamento justo, apesar de muitas vezes você não dar esse direito as suas vítimas. Todavia, não cabe a mim contrariar a lei, pois ensinaram-me que o Direito Penal é a ciência que protege o criminoso, assim como o Direito do Trabalho protege o trabalhador, e assim por diante.
Questiono que hoje em dia você tem mais atenção do que muitos cidadãos e policiais. Antigamente você se escondia quando avistava um carro da polícia; hoje, você atira, porque sabe que numa troca de tiros o policial sempre será irresponsável em revidar. Não existe bala perdida, pois a mesma sempre é encontrada na arma de um policial ou pelo menos sua arma é a primeira a ser suspeita.
Sei que você é um pobre coitado. Quando encarcerado, reclama que não possuímos dependência digna para você se ressocializar. Porém, quero que saiba que construímos mais penitenciárias do que escolas ou espaço social, ou seja, gastamos mais dinheiro para você voltar ao seio da sociedade de forma digna do que com a segurança pública para que a sociedade possa viver com dignidade.
Quando você mantém um refém, são tantas suas exigências que deixam qualquer grevista envergonhado. Presença de advogados, imprensa, colete à prova de balas, parentes, até juízes e promotores você consegue que saiam de seus gabinetes para protegê-los. Mas se isso é seu direito, vamos respeitá-lo.
Enfim, espero que seus direitos de marginal não se ampliem, pois nossa obrigação também aumentará. Precisamos nos proteger. Ter nossos direitos, não de lhe matar, mas sim de viver sem medo de ser um policial.
Dois colegas de vocês morreram, assim como dois de nossos policiais sucumbiram devido ao excesso de proteção aos seus direitos. Rogo para que o inquérito policial instaurado, o qual certamente será acompanhado por um membro do Ministério Público e outro da Ordem dos Advogados do Brasil, não seja encerrado com a conclusão de que houve execução, ou melhor, violação aos Direitos Humanos, afinal, vocês morreram em pleno exercício de seus direitos”.



Wilson Ronaldo Monteiro - Delegado da Polícia Civil do Pará.