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quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

PEC DOS PRECATÓRIOS PODE SER UM CALOTE



Imagine que você recebe um salário de R$ 5 mil por mês, e possui contas e dívidas a pagar. Então é aprovada uma lei que te obriga a quitar um limite mínimo de 2% do que você recebe em dívidas todos os meses. Por essa regra, só precisaria pagar R$ 100 mensais em débitos. Não importa se você deve muito mais que isso, a lei só te obriga a pagar esse valor, o resto é opcional. Seria bom, não?


Agora se coloque do outro lado do balcão. Você tem um dinheiro a receber, mas por causa dessa lei, seu devedor não é obrigado a te pagar. Já não parece ser tão vantajoso, não é?

Essa é uma parte da proposta de emenda à constituição (PEC) 351/09 - a chamada PEC dos Precatórios - que foi aprovada no Congresso nacional e tem causado protestos da população. Para advogados tributaristas, essa seria a tentativa do Governo de um terceiro calote.

O que são precatórios

Os precatórios são ordens de pagamentos judiciais para o serviço público. Ou seja, uma pessoa ou uma empresa tem algo a receber do município, estado ou União. Então a Justiça determina que o governo pague a dívida. Para isso, é emitido um precatório. Seria uma espécie de “vale dívida”.

O problema é que os estados e municípios não pagam os precatórios desde 1997. O Governo Federal estima que o tipo de dívidas desse tipo no Brasil chegue a R$ 100 bilhões atualmente.

Os precatórios são divididos entre alimentares e não alimentares. Os alimentares são “pedaços do salário do servidor”, explica o advogado tributarista Nelson Lacerda. São reajustes de salário, pensões, que os estados deviam, mas não pagam.

Já os não alimentares são os que não compõem a renda da pessoa que entrou com a ação. Como, por exemplo, pagamento devido pela prefeitura quando desapropria uma família para construir uma estação de metrô.

Os dois calotes anteriores

Esse não é um problema recente no país. Em 1988, foi aprovada uma lei que permitia o parcelamento dos precatórios. Assim, quem tinha a receber, receberia. E quem tinha a pagar, poderia pagar. Apenas a União cumpriu.

Em 2000, uma emenda constitucional determinou novo parcelamento dos precatórios, em até dez anos. Estados e municípios continuaram a não pagar, e a dívida acumulou até então.

Ordem cronológica

Para cada parte controversa do projeto, há uma manifestação contrária. Diversos pontos têm causado indignação. O primeiro é que apenas 50% dos precatórios tenham que ser pagos por ordem cronológica (atualmente é necessário pagar dessa forma 100% da dívida).
O argumento contrário dos advogados tributaristas é de que, dessa forma, dívidas antigas que ainda não foram pagas, continuarão esquecidas.

Leilão

O segundo ponto é permitir o leilão das dívidas. Assim, o detentor do precatório que aceitar o maior deságio (basicamente, dar o maior desconto), receberá o pagamento do governo.

Para Brando, essa solução nem mesmo pode ser chamada de leilão, já que apenas um comprador (o governo, o devedor) é que pode dar lances. Não dá chances de quem possui um precatório a receber de aceitar a melhor proposta. “(O leilão) é, na verdade, um confisco. Na visão deles, teria apenas um comprador, que é o devedor. Isso viola as leis básicas de economia”, explica.

Fora de ordem

O terceiro ponto seria o pagamento da dívida por ordem do menor ao maior precatório, desrespeitando as regras de seguir a ordem cronológica.

“Imaginemos alguém que tenha um precatório orçado para 1997, no valor de R$ 30 mil. Hoje, após 12 anos de espera, o valor do crédito é de aproximadamente R$ 350 mil. Vai para o fim da fila. Quem tiver um precatório no mesmo valor, orçado para 2007, receberá antes”, afirma Lacerda.

Correção

Uma quarta parte da PEC tem como intuito diminuir a dívida (ou desacelerar seu crescimento). Em vez de corrigir os precatórios com taxa anual de 6% mais o IPCA, a correção seria pelo mesmo coeficiente da poupança.

A ideia inicial era de fazer com que essa medida fosse retroativa. Assim, dívidas de 1997, por exemplo, diminuiriam. Mas parlamentares voltaram atrás para que isso seja aplicado assim que a PEC for aprovada pelo Congresso.

Por fim, a proposta de emenda à constituição prevê o prazo de 15 anos para o parcelamento dos débitos.

Soluções para o impasse

Os advogados sugerem soluções que poderiam melhorar a proposta. Flávio José de Souza Brando afirma que foram discutidas propostas que envolvem intervenção do Governo Federal (único que paga em dia seus débitos com precatórios).

“Existem boas alternativas. De um lado, você tem prefeitos e governadores reclamando, com razão ou sem razão, de problemas de fluxo de caixa. Eles precisam de prazo para pagar.De outro lado, tem os credores não recebem há décadas e precisam receber”, explica o presidente da Comissão de Precatórios da OAB-SP. “O Governo Federal é a solução”.

Pela proposta, o Tesouro Nacional poderia avalizar, garantir papéis que poderiam ser emitidos por estados e municípios, com vencimentos de 20, 30 anos. Nesse período, teriam que desembolsar apenas juros de seis em seis meses.

O detentor de um precatório a receber poderia trocar voluntariamente pelos títulos e poderia vender para investidores de mercado de longo prazo. Assim, transformaria precatórios em títulos, e títulos em dinheiro.

Outra possibilidade é constituir fundos de infraestrutura, já que o Governo precisa de dinheiro para obras do PAC, para a Copa do Mundo de 2014, Olimpíadas de 2016, para o petróleo na camada do pré-sal.
Isso seria mais para os grandes credores, e poderia permitir que trocassem o precatório por fundo de infraestrutura.
Atualmente, a única forma que se tem de receber os precatórios é vendê-los a empresas com um deságio. As companhias, então, usam os precatórios para pagar impostos, como um tipo de compensação tributária.
Um ponto é consenso entre parlamentares e advogados, é preciso achar uma solução para que os precatórios sejam pagos.

“Existem três categorias de donos de precatórios. Os que já morreram esperando o pagamento, os que vão morrer esperando a quitação do débito e aqueles que vendem com deságio, aproveitando em vida parte do seu crédito”, afirma Nelson Lacerda.

Fonte: Revista Abril

PEC DOS PRECATÓRIOS PASSA NO SENADO



Contrariando o posicionamento da AMB sobre o assunto, o Senado Federal aprovou ontem a proposta de emenda à Constituição que fixa novas regras para pagamento de precatórios. Em audiências públicas promovidas no Congresso Nacional recentemente, a AMB argumentou que a lei representa um desrespeito ao cumprimento das decisões judiciais e à própria Justiça brasileira, uma vez que promove um leilão ou acordo para aqueles dispostos a negociar valor já firmado pelo juiz.
O projeto estabelece que pelo menos 50% dos recursos reservados aos precatórios serão destinados ao pagamento em ordem cronológica, com base na data em que a Justiça determinou o pagamento. A metade restante poderá ser paga por meio de leilão ou por câmaras de conciliação, a serem criadas por lei pela entidade devedora, o Estado ou município.
Segundo o projeto, que prevê prazo de 15 anos para quitação dos débitos, dívidas decorrentes de ações envolvendo natureza alimentícia ou que os credores sejam idosos ou portadores de doença grave terão prioridade no recebimento. Os devedores também precisarão reservar de 1 a 2% de sua receita corrente líquida para pagamento dos precatórios: 2%.

Luta contrária

A AMB fez uma ampla mobilização pela não aprovação do texto. A primeira foi em maio, quando a entidade protestou contra a PEC em uma marcha na Esplanada dos Ministérios ao lado de centenas de entidades. O trabalho nos corredores do Congresso Nacional e a participação em audiências públicas sobre o tema também marcaram as ações da entidade.
Na audiência realizada em outubro, a entidade frisou que os credores não podem ser penalizados por erros de gestão do erário que permitiram que se acumulassem enormes quantias a serem pagas por algumas administrações municipais e estaduais. O presidente da AMB, Mozart Valadares Pires, fez questão de destacar que o debate sobre a PEC não interessa somente aos credores e aos governos devedores, mas à toda sociedade.
O posicionamento da Associação pela não aprovação da PEC está alinhado com o de várias outras entidades, como a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que defende que a aprovação da PEC criará um ambiente de insegurança jurídica muito prejudicial para o Brasil. Para a OAB, o leilão de pagamentos já fixados em sentenças judiciais representa uma desmoralização do Poder Judiciário.





Fonte: Folha de S. Paulo