Dilma terá de recompor base no Congresso para governar
Analistas avaliam dificuldades para formação de bloco de apoio ao governo.
Para eles, presidente reeleita terá de buscar uma coalizão mais consistente.
Uma das condições imprescindíveis para a presidente reeleita Dilma Rousseff (PT) conseguir governar será recompor sua base de apoio no Congresso Nacional. A partir de janeiro, quando assumir o segundo mandato, ela precisará de votos da maioria dos deputados e senadores para aprovar as políticas que propôs na campanha.
O G1 publica até a próxima quinta-feira (30) uma série de reportagens sobre cinco desafios que o futuro presidente terá de enfrentar durante o mandato. Os outros quatro temas são infraestrutura, Olimpíadas, salário mínimo e escolha de ministros para o Supremo Tribunal Federal.
Isso ocorre porque, no sistema político brasileiro, composto por 32 partidos (em 2015, 28 estarão no Legislativo), é quase impossível que a sigla do presidente saia das eleições com a maioria parlamentar. O caminho é formar uma coalizão, angariando adesão de outras legendas em troca da partilha do poder no Executivo. Tem sido assim com todos os presidentes desde a redemocratização.
Uma sinalização da força que a presidente reeleita terá no Congresso pode ser dada pelo número de parlamentares eleitos dos partidos que a apoiaram na disputa eleitoral (veja no quadro ao lado). O PT de Dilma conseguiu 70 das 513 cadeiras na Câmara e 12 das 81 vagas do Senado. A base de apoio formada para a campanha, no entanto, pode se alterar com as negociações pós-eleições.
Segundo analistas ouvidos pelo G1, a negociação das alianças começa após o segundo turno, e a tendência é que muitos partidos decidam aderir à base de sustentação de quem sai vitorioso na disputa pela Presidência.
"O presidente eleito tem muita força de atração, o que faz com que a própria oposição fique sem ação, diante da popularidade do presidente. A capacidade de formar coalizão é muito grande, a pessoa eleita tem todos os recursos possíveis para montar a coalizão", diz o sociólogo e cientista político Sérgio Abranches, precursor dos estudos sobre o chamado "presidencialismo de coalizão".
Isso ocorre por causa da concentração de poder – por meio de verbas e cargos – nas mãos do presidente. Assim, para formar a coalizão, os analistas consideram natural a entrega aos partidos aliados do comando de ministérios e órgãos importantes da administração.
"Os partidos políticos querem votos, políticas e cargos – todos esses são meios de exercer o poder. Para governar bem, tem que ter apoio dos partidos. Um país não pode depender de pessoas, tem que depender de instituições, porque instituições ficam, as pessoas passam", justifica a cientista política Argelina Maria Cheibub, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Estudioso das coalizões formadas desde o governo de Fernando Henrique Cardoso, o cientista político Carlos Pereira, da Fundação Getúlio Vargas no Rio, diz que esses arranjos são necessários não apenas para aprovar as medidas lançadas pelo Executivo, como para proteger o governo.
"Uma coalizão estável é fundamental para que se aprove o que o presidente quer e bloqueie o que ele não quer. Caso ele não partilhe os ministérios, qualquer crise, escândalo de corrupção, crise econômica, cenário internacional menos favorável, ele pode perder logo legitimidade dentro do Parlamento", explica.
Para governar num segundo mandato, ela [Dilma] deverá fazer uma coalizão menor, com menos parceiros, mais homogênea ideologicamente e compartilhar mais poder com os partidos aliados"
Carlos Pereira,
cientista político da FGV-Rio
Dificuldades e facilidades
Questionados pelo G1 antes do segundo turno da eleição, os três analistas entrevistados avaliaram as possíveis facilidades e dificuldades que Dilma Rousseff terá para formar no Congresso uma coalizão de apoio ao governo.
Uma facilidade da petista, por exemplo, é o fato de ela já contar com uma coalizão majoritária formada no primeiro governo, atualmente composta por dez partidos e que reúne cerca de 340 deputados e 52 senadores.
Apesar do amplo apoio, no entanto, Carlos Pereira (FGV) observa instabilidade na coalizão, marcada por traições e mesmo derrotas nas votações, dando como exemplo a lei que dividiu royalties do petróleo entre União, estados e municípios, em que foi aprovado projeto que contrariava o governo – o veto de Dilma foi posteriormente derrubado no Congresso.
"Para governar num segundo mandato, ela deverá fazer uma coalizão menor, com menos parceiros, mais homogênea ideologicamente e compartilhar mais poder com os partidos aliados", recomenda Pereira. Para ele, a atual coalizão da petista, pelo tamanho, diversidade e concentração de poder no PT acaba tendo que ceder muito – por exemplo, em verbas de emendas parlamentares – em troca de pouca fidelidade dos aliados.
Sérgio Abranches aponta falta de liderança política da petista na articulação de apoio. "Dilma nunca foi parlamentar. Então, não sabe como são os procedimentos de negociação no Parlamento. Ela tem que delegar essa função para outras lideranças, o que torna muito mais difícil a formação de uma coalizão mais consistente", diz o sociólogo.
"É uma coalizão que não dá sustentação. Tem uma bacia de votos que pode dar maioria, mas negocia caso a caso, com verba e cargo. Se der [maioria] eu voto, se não der, não voto. Então, é um toma-lá-dá-cá diário".
Argelina Cheibub, no entanto, vê como normais na democracia os conflitos travados no Congresso durante o governo Dilma.
É o sucesso do desempenho inicial na economia que mantém alta a popularidade presidencial. Quando isso acontece, o Congresso tem muita dificuldade em se opor ao presidente, porque o parlamentar chega no fim de semana para falar com sua base e só ouve elogios"
Sérgio Abranches,
sociólogo
"Um governo de coalizão é mais conflitivo. Se você tem um governo de um partido só, quando ele colocar uma coisa para votar, vai discutir internamente no partido, aparar arestas internas e vai depois garantir a aprovação. Agora, quando tem 60% de membros de cinco ou seis partidos, vai ter maior conflito", afirma.
Outra dificuldade para a presidente será a consolidação da aliança com o PMDB, o principal partido aliado, mas que internamentenão tem unanimidade em relação ao governo e com o qual o PT mantém uma relação tensa.
"O PMDB é um partido típico de centro, com muitas facções e com uma bancada de tamanho considerável. Ele é bom porque pode aceitar políticas mais ou menos indefinidas em questões ideológicas. A possibilidade de aceitar é grande porque não tem muito a perder", diz a cientista política. "O apoio do PMDB é fundamental", diz Angelina Cheibub,
Segundo Sérgio Abranches, outro fator-chave para o presidente eleito manter a popularidade e conquistar o Congresso é não descuidar da economia.
"É o sucesso do desempenho inicial na economia que mantém alta a popularidade presidencial. Quando isso acontece, o Congresso tem muita dificuldade em se opor ao presidente, porque o parlamentar chega no fim de semana para falar com sua base e só ouve elogios, não tem como contrariar."
Renan Ramalho e Felipe NériDo G1, em Brasília
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